A diversidade enchia os olhos. Gente de muitos cantos. Jovens sem saber se olhavam para os palcos ou para a arquitetura da velha Sampa. Travestis e metaleiros se misturavam na República. O sol chegava ao pico do céu, os gramados cheios de cangas com a garotada, e os coroas - que, num tempo distante, posavam para as fotos enquanto estendiam bandeiras de contra-cultura - chegavam, sem mais deitar por cima do verde, só desviavam, calados. Metrô iluminado toda a madrugada; ah, se fosse sempre assim. Ônibus não, só depois das cinco.
Eu não sei se foi o clima da Virada Cultural, mas para tudo que eu olhava, via arte. Ela estava saltando das cores dos olhos e peles. Acredito que muito se perdeu, caso o cidadão tenha olhado somente para os holofotes. As galerias de arte, a Pinacoteca e os artesãos, índios urbanos. Cada um com sua galeria, de concreto ou de lona. Pintura em tela, em madeira, em papelão, em veludo, em papel aveludado. As gravuras não se contentavam em naturezas mortas, avançavam em borrões tão mais expressivos quanto dos grandes pintores contemporâneos. Esculturas pequenas de metal, postas estrategicamente no chão, confundiram-se com lixo e algém pisou nelas porque olhava para cima. “Blusa da Gal Costa, moça, baratinha! Se quiser, tenho uns artesanatos meus de brinde...” seduzia-me, um senhor barbudo e sujo.
Voltando para casa, num ônibus lotado, uns guris cantavam funk carioca e Pavilhão 9 (banda de rap paulista, homenagem ao famoso pavilhão do Carandiru). Dois começaram a discutir, diziam que se entenderiam na faca, logo mais, no ponto final. Foi o último espetáculo que assisti aquele dia.
Luciana Araújo
...
Ah se a todo o momento pudéssemos escolher, entre mil opções, o que ver. Mesmo que obviamente não concordamos com tudo que chamam de cultura, mas essa é a nossa parte mesquinha de classificar o que gostamos como, sempre, algo superior e rebaixar o resto. Às vezes é mesmo. Mas sejamos compreensíveis sócio-culturalmente. A massa agrada a massa, e o fermento precisa ser mexido com uma colher animada, de ritmos frenéticos.
Infelizmente a distância, o espaço, entre as apresentações culturais de nossa escolha, é maior que a quantidade de passos entre a São João e o Teatro Municipal, então, não ficamos perdidos quanto a escolhas, e nem mesmo temos muita opção, o que aparecer agarramos com unhas e dentes para não escapar. Compre, compre seus convites com antecedência que a oferta é pouca! Sempre assim...
Quando aparece a grande virada, é realmente motivo para não dormir, e o povo fica nervoso mesmo, é uma correria, uma ansiedade... que loucura, nas últimas horas da programação é briga, é falta de comida, fila, é o pé latejando. Ainda bem que é pela a música, válido.
Ah...o Teatro Municipal... Quem foi apenas pela oportunidade de conhecer a beleza das internas, saiu inebriado, flutuante, diante da qualidade surrealista das apresentações. Só a lembrança retoma a vontade de aplaudir de pé. E salve os Paulos! Vanzolini, César Penheiro!
Talvez seja esse o caminho, dar esse boom cultural para balançar a atenção. O que não ficou claro é que cultura não pode ser tratada como entretenimento. E por favor, não vamos consumir como.
Thâmara M.
5 comentários:
muuito bom!
virada cultural deve ser foda
ainda mais em sp
bjobjo meninas
Meninas! Shoooooooooooow!!!
Thâmara, nesse mundinho à varejo de hoje, acho difícil exigir que cultura não se venda ou não se misture com entretenimento. Mas a gente pode tentar...
Lu, que texto!!! Crônica linda, linda de uma cena urbana rica e você percebendo os detalhes que ninguém vê e fascinando a gente com eles. O seu texto é visual pacas e eu me senti ali com você naquela galeria de tipos, misturas e imagens incríveis. Texto fascinante é isso: eu não estava lá, mas a experiência já é inesquecível para mim!
Beijão!
Tudo muda quando se tem riqueza em detalhes. A cena muda, literalmente. A música faz parte da história de nossas vidas, assim como a cultura que temos em constante crescimento dentro de nós. Adorei o blog. Beijo meninas!
Paula Matos
Parabéns gurias, ótimos textos!
Vocês conseguiram expor com minúcias dois lados diferentes dessa rica Virada Cultural (pena que eu não puder aproveitar, mas...). Ano que vem estaremos lá!
Bjos gurias... até mais.
(ops.... continue assim, bobina)
Surreal..
Isso que eu senti ao ver tantos sons e tantas tribos misturadas em um mesmo conceito. As ruas do centro de São Paulo tomadas por uma multidão, em uma madrugada quente e cheia de possibilidades.
Pessoas totalmente diferentes em suas crenças, realidades e gostos. Todos a fins de se embriagarem de diversão e cultura, isso é poesia. Não importa se você estava ali para ouvir o seu pagode, ou estava ali para ouvir um heavy metal, ou mesmo para se misturar. A virada nos remete às grandes manifestações culturais e políticas do século XX.
Em um primeiro momento não se vê similaridades entre uma passeata por eleições diretas e um evento criado pela prefeitura. Mas, no fim, as pessoas cumprem seu papel da mesma forma. A ideologia daquelas pessoas que povoaram a Praça da Sé, no dia 25 de janeiro de 1984, estava de volta 24 anos depois. Pois, a democracia a qual tantas lutaram, não pode existir em sua plenitude em um país sem identidade. E, é isso que as pessoas que participam da virada estavam buscando: identidade.
Um país só pode ter identidade, se conhecer sua própria cultura. Cultura essa que durante tantos anos foi reprimida, e agora sai das rodas intelectuais, ou dos manifestações culturais perdidas no interior no Brasil e, ressurgem no centro de São Paulo, na Praça da Sé... Naquela mesma Praça da sé...
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